
Com a intenção de ser padre do interior, Eugenio de Araujo Sales, respondeu ao chamado de Deus e tornou-se um dos expoentes da Igreja Católica. No período do regime militar, à frente da Arquidiocese do Rio de Janeiro, destacou-se nas relações com o governo, sobretudo com a decisão de acolher os militantes estrangeiros; período determinante na criação do serviço de atendimento aos refugiados. Uma trajetória de vida que é marcada pela obediência à Igreja e pela dedicação no campo social e humanitário.
Eugenio Sales é natural de Acari, no Rio Grande do Norte, onde nasceu em 8 de novembro de 1920. Filho do desembargador Nelson Dantas Sales e de Josefa de Araujo Sales, ingressou no Seminário São Pedro no ano de 1936 logo após concluir o curso de humanidades. Sua ordenação sacerdotal foi em 1943 na antiga Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, e aos 34 anos tornou-se bispo auxiliar de Natal. Nesta cidade trabalhou dez anos e pôde conhecer o sofrimento do povo nordestino, motivo que o levou a refletir sobre o trabalho no campo pastoral e social em busca de contribuir na restruturação da sociedade.
Desenvolveu um importante trabalho na área rural, como a organização sistemática dos trabalhadores em sindicatos rurais, reconhecido pelo governo, e a criação da primeira Federação dos Trabalhadores Rurais no Rio Grande do Norte. Ainda, no exercício do seu apostolado em Natal, criou as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a Campanha da Fraternidade, tornando-se nacional pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1964.
Em 1968, foi nomeado pelo Papa Paulo VI arcebispo de Salvador e Cardeal Primaz do Brasil. E no dia 31 de março de 1971 foi nomeado arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde governou por 30 anos. Em toda a sua vida nunca deixou de olhar para a pessoa que sofre. No Rio de Janeiro criou várias pastorais, instituições, paróquias; realizou diversos trabalhos sociais, sobretudo no comprometimento dos direitos humanos, como o atendimento aos refugiados através da Cáritas Arquidiocesana.
Defensor do bem comum, Cardeal Sales foi um homem conciliador, prudente, corajoso e firme na profissão de fé e na defesa humanitária. Homem obediente à Igreja, em tudo o que fazia, rezava para estar dentro da vontade de Deus. Tanto assim que quando decidiu abrigar em sua própria casa os refugiados que chegavam ao Palácio São Joaquim, disse: “Em primeiro lugar, a autoridade de Deus, depois a dos homens”. Dom Eugenio, no entanto, informava às autoridades que recebia estrangeiros militantes em sua casa, não como forma de pedido, mas para avisá-los, contou o diretor da Cáritas RJ, Cândido Feliciano da Ponte Neto.
Em alguns momentos, a intervenção direta de Dom Eugenio foi primordial, como, por exemplo, na manifestação dos militantes no Consulado da Suécia, que só foi controlada depois que o cardeal assegurou que os levariam para o Sumaré na sua casa episcopal. Dom Eugenio foi pioneiro no atendimento aos refugiados e teve como braço direito Cândido Feliciano, que com lágrimas nos olhos recorda o amigo pastor. “Ele tinha uma maneira muito própria de ser, de exercer o magistério que era confiado. Um homem muito fiel à Igreja, e o foi até a morte. Inteligente, perspicaz e de uma sensibilidade extraordinária, ele não fazia nenhuma questão em aparecer; tinha uma sensibilidade social própria, sem politizar, sem ter partido – sua ação tinha base puramente no evangelho e na Doutrina Social da Igreja. Eu hoje rezo e peço a intercessão de Nossa Senhora e de Dom Eugenio para que me ilumine e me ajude nesta missão da Cáritas”.
Ainda ao longo da sua trajetória apostólica, o Cardeal Sales cumpriu atividades importantes no Vaticano: participou do Concílio Vaticano II, congressos, Comissões Pontifícias e atividades em nome do Papa. Recebeu o Papa João Paulo II, seu amigo, duas vezes no Rio de Janeiro: em 1980, por ocasião da beatificação do jesuíta José de Anchieta, em São Paulo, no roteiro pontifício estava à visita ao Rio; e em 1997 no II Encontro Mundial do Papa com as famílias.
Dom Eugenio esteve na missa de corpo presente do Papa João Paulo II, e foi escolhido para cumprir o ritual que atesta por escrito a morte do Pontífice por ter sido um dos seus amigos, além de ser o mais antigo cardeal presbítero. Como bispo emérito exerceu uma rotina de trabalho, e no dia 9 de julho de 2012, aos 91 anos, faleceu – vítima de infarto –, no Rio de Janeiro. Deixou um legado de verdadeiro comprometimento humanitário.
Foto: Redação
18/04/2016 - Atualizado em 18/04/2016 16:48