Com a descrição dos eventos e significados da Torre de Babel, concluímos nosso percurso sobre os 11 primeiros capítulos da Bíblia: criação e pecado.
Agora, iniciamos os ciclos dos patriarcas. O primeiro a ser abordado é aquele de Abraão e Sara. Estes relatos se inserem entre o Gn 12,1-50,26. O chamado ‘Ciclo dos Patriarcas’.
História dos patriarcas (Gn 12,1-50,26)
1. Ciclo de Abraão (12,1-23,20): vocação, emigração para Canaã e Egito. Nascimento de Isaac e Ismael. Morte de Abraão.
2. Ciclo de Isaac (24,1-27,46).
3. Ciclo de Jacob (28,1-36,43): já a partir de 25,19, Jacob começa a tornar-se o personagem principal, tanto em relação ao pai (Isaac), como em relação a seu irmão Esaú.
4. Ciclo de José (37,1-50,26): o penúltimo dos filhos de Jacob, vendido como escravo para o Egito, faz a ligação histórica e teológica com o livro seguinte, o Êxodo. É um ciclo muito especial, também chamado História de José. Este esquema histórico-literário apresenta-se como uma obra prima, não só a nível teológico, mas também na sua estrutura literária.
De fato, a “História das Origens” (cap. 1-11) aparece como prólogo histórico-teológico da História de Israel e da humanidade. E pretende ser o elo de ligação entre a Criação do mundo e Abraão, o pai do povo hebreu (cap. 12).
O Egito, como lugar de escravidão do povo, é lugar de peregrinação para Abraão, Jacob e José. Estes e outros elementos fazem a ligação deste livro com o Êxodo e com os outros livros seguintes.
As tradições e fontes dos Ciclos dos Patriarcas
Donde vem todo este material? O povo hebreu vivia numa região onde se cruzavam muitos povos e civilizações. Este fato originou um inegável intercâmbio cultural entre eles. Os impérios que dominaram a Mesopotâmia e o Egito, assim como as civilizações da Fenícia e de Canaã, são a fonte literária e histórica do Gênesis e do AT em geral.
É inegável que nos 11 primeiros capítulos se encontram abundantes elementos dessas culturas, incluindo alusões a certos mitos da Suméria, da Babilônia e de Ugarit, especialmente aos poemas da Criação, “Enuma-Elish” e “Atrahasis”. O poema de Gilgamesh está também presente no relato do Dilúvio. Muitas vezes, os autores do Gênesis colocam-se em polêmica aberta contra os mitos pagãos, como no caso de 1,1-2,4a.
A história patriarcal
A história patriarcal (cap. 12-50) acolheu lendas antigas e referências a El1, que faziam parte do espólio cultural dos santuários cananeus. Encontramos, igualmente, pequenos fatos alusivos ao convívio com povos vizinhos.
No que se refere à origem dos patriarcas, há relatos sobre os antepassados tribais, heróis antigos, genealogias ou listas de patriarcas (cap. 5) e de povos (cap. 10), e outras histórias que pretendiam explicar a origem dos povos em geral e de Israel em particular. Por isso, este livro tem gêneros literários variados:
a) A lenda
É o mais comum e consiste em produzir um relato a partir de um fato real, nome de pessoa ou de lugar. Há lendas etiológicas, que pretendem explicar, no passado, a “causa” de qualquer fenômeno ou acontecimento do presente. Um belo exemplo de lenda etiológica é o relato da destruição de Sodoma e Gomorra. Há ainda lendas etiológicas para explicar a origem de nomes de pessoas (para Isaac, que significa “rir”, ver 18,9-15; 21,2-7).
b) A genealogia
É uma lista de nomes que recua o mais longe possível até ao passado, a partir do presente. Pretendem justificar, no aspecto jurídico, certos acontecimentos, privilégios de uma classe social ou de um povo (5,1-32; 10; 11,10-32). É sua intenção preencher o imenso espaço entre a Criação e a história do povo hebreu.
As sagas ou histórias antigas de todo o gênero: luta pelos poços, guerras tribais, histórias de famílias...
c) A linguagem mítica
Sabemos que os autores do Gênesis combateram os mitos. Mas, para falar dos grandes problemas da humanidade, não deixaram de utilizar a linguagem e certos elementos mitológicos que estavam em voga, como a criação do homem a partir do barro (2,7), a árvore da Vida e a árvore da ciência (2,9-10; 3,1-6), o mito da serpente (cap. 3).
Longo processo de tradição e de redação destas fontes:
Todo este material foi colecionado muito lentamente.
Primeiro surgiram pequenos conjuntos à volta de um santuário, de um acontecimento ou de uma personagem; podemos chamar-lhes tradições, e foram transmitidas oralmente ao longo de muitos séculos.
Quando aparece a escrita, essas tradições são fixadas em documentos. Com a queda do Reino do Norte (Samaria), em 722, essas tradições são trazidas para o Sul (Jerusalém).
Finalmente, no período do Exílio (587-538), os redatores da escola sacerdotal reúnem todas as grandes tradições e documentos existentes, imprimindo-lhes o seu próprio estilo e teologia. Podemos dizer que o Gênesis contém material recolhido entre os séculos XIII-V a. C.
Referência:
1 Ēl (אל) é uma palavra semitica do Noroeste traduzido em português quer como deus ou como Deus e às vezes, não traduzida como El, dependendo do contexto. No Levante como um todo, El ou Il era o deus supremo, o pai da humanidade e de todas as criaturas e o marido da Deusa Aserá como atestado no Ugarit. Governava a todos do monte Saphon e foi sob sua égide que Baal/Hadad casou com Anat e derrotou o deus do mar Yam e o deus da morte Mot, tornando-se o rei dos deuses. A palavra El foi encontrada no topo de uma lista dos Antigos Deuses (o que pode significar que ele seria o Pai de todos os Deuses), nas ruínas da Biblioteca Real de Ebla, no sítio arqueológico de Tell Mardikh na Síria datado de 2300 aC. Ele pode ter sido um deus do deserto em algum ponto, já que os mitos dizem que ele tinha duas esposas e que havia construído um santuário com eles e os seus novos filhos no deserto. El tinha gerado muitos deuses, mas os mais importantes foram Hadad, Yam e Mot, cada um dos quais possui atributos semelhantes aos deuses gregos Zeus, Posidão ou Ofíon e Hades ou Tânato respectivamente. Os mitologistas gregos identificam com El Cronos (não Chronos). Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/El_(deus)
12/08/2017 - Atualizado em 12/08/2017 17:53