
‘Eu era peregrino e me acolheste’
“Abram as portas para acolherem pelo menos uma família”, recordou monsenhor Joel Portella ao falar da preocupação do Papa Francisco sobre a situação dos refugiados no mundo. Diante do aumento alarmante de deslocados em toda a Europa –
são 59,5 milhões só no ano de 2014, como informou a agência de refugiados da ONU, Acnur –, o Pontífice fez um apelo na Praça de São Pedro. Um ato concreto da Igreja para com aqueles que precisavam de ajuda num momento dramático de sua vida.
“Abram as portas para acolherem pelo menos uma família”, recordou monsenhor Joel Portella ao falar da preocupação do Papa Francisco sobre a situação dos refugiados no mundo. Diante do aumento alarmante de deslocados em toda a Europa –
são 59,5 milhões só no ano de 2014, como informou a agência de refugiados da ONU, Acnur –, o Pontífice fez um apelo na Praça de São Pedro. Um ato concreto da Igreja para com aqueles que precisavam de ajuda num momento dramático de sua vida.
O Santo Padre sempre se preocupou com a situação dos refugiados no mundo. Em sua mensagem, por ocasião do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, no dia 17 de janeiro, o Santo Padre trouxe como reflexão o tema da misericórdia: “Os emigrantes e refugiados interpelam-nos. A resposta do Evangelho da misericórdia.” Portanto, o coordenador de Pastoral da Arquidiocese do Rio de Janeiro, monsenhor Joel Portella, destacou os principais pontos da mensagem do Papa Francisco.
Testemunho de Fé – Qual a mensagem central do Papa Francisco diante da situação dos refugiados no mundo?
Monsenhor Joel Portella – O tema dos refugiados faz parte de uma grande preocupação da Igreja. Uma preocupação que vai encontrar suas raízes em Jesus Cristo. Por exemplo, o Evangelho de Mateus 25, 35 diz: "eu era peregrino e me acolhestes". É daí que vem a preocupação com o que acontece ao longo da história, ou seja, é a mudança na compreensão do peregrino. Hoje passamos de imigrante para refugiado. Há uma mudança na situação do refugiado e na quantidade. Com o Papa Francisco, é preciso compreender o que ele diz, mas principalmente o que ele faz: ele fala não só pelos seus discursos e mensagens, mas principalmente com seus gestos e atitudes. No caso dos refugiados, a mensagem central é olhar o refugiado através da misericórdia, olhar com olhos de misericórdia. O Santo Padre tem feito uma forte articulação entre a questão dos refugiados e o Ano da Misericórdia, ele tem chamado atenção de todas as outras situações de sofrimento. O ponto de partida do que ele diz é a identificação de cada refugiado com Jesus sofredor, crucificado; todos os sofredores, de algum modo, encontram em Cristo o significado de sua existência e a luz para superarem o sofrimento.
TF – O mundo passa por uma crise migratória?
Monsenhor Joel Portella – O Papa tem usado expressões duras com relação especificamente aos refugiados. Ele chama de drama, de escândalo, diz que é uma crise imigratória e uma crise de civilização. Portanto, chegamos ao fundo do poço enquanto civilização e maneira de compreender e viver o mundo. Segundo o Papa, essa crise atual é a mais grave depois da Segunda Guerra. Ele dirá, por fim, que é apenas a ponta do iceberg, diante de muitas outras crises que vão acontecendo no mundo. Como ele disse com muita clareza, na “Laudato Si”: pedem de nós um outro rumo para o mundo. Esse é a grande questão.
TF – O tema dos refugiados é uma preocupação constante do Santo Padre?
Monsenhor Joel Portella – No que diz respeito às falas do Papa, outro ponto chama a atenção. Ele tem aumentado a quantidade de falas, assim como tem aumentado a quantidade de refugiados e seus sofrimentos. Vê-se a situação dos acampamentos e nas fronteiras da Grécia. Essa realidade tem crescido, e tem crescido também o que o Papa tem falado, principalmente a partir do segundo semestre do ano passado. Sempre que ele pode, coloca o tema dos refugiados. Por exemplo, a mensagem que ele mandou para o Dia Mundial da Paz, em janeiro deste ano, tem um parágrafo exclusivo para os refugiados. E sempre com a ideia de que a Igreja nunca abandona vocês. O Papa não diz, mas nós compreendemos assim: se os outros abandonaram vocês, a Igreja não abandonará. O fundamento disso, ele encontra no próprio Jesus, e naquela imagem de Jesus desterrado com Maria e José indo para o Egito. Jesus também foi um migrante, um refugiado.
Monsenhor Joel Portella – O Papa tem usado expressões duras com relação especificamente aos refugiados. Ele chama de drama, de escândalo, diz que é uma crise imigratória e uma crise de civilização. Portanto, chegamos ao fundo do poço enquanto civilização e maneira de compreender e viver o mundo. Segundo o Papa, essa crise atual é a mais grave depois da Segunda Guerra. Ele dirá, por fim, que é apenas a ponta do iceberg, diante de muitas outras crises que vão acontecendo no mundo. Como ele disse com muita clareza, na “Laudato Si”: pedem de nós um outro rumo para o mundo. Esse é a grande questão.
TF – O tema dos refugiados é uma preocupação constante do Santo Padre?
Monsenhor Joel Portella – No que diz respeito às falas do Papa, outro ponto chama a atenção. Ele tem aumentado a quantidade de falas, assim como tem aumentado a quantidade de refugiados e seus sofrimentos. Vê-se a situação dos acampamentos e nas fronteiras da Grécia. Essa realidade tem crescido, e tem crescido também o que o Papa tem falado, principalmente a partir do segundo semestre do ano passado. Sempre que ele pode, coloca o tema dos refugiados. Por exemplo, a mensagem que ele mandou para o Dia Mundial da Paz, em janeiro deste ano, tem um parágrafo exclusivo para os refugiados. E sempre com a ideia de que a Igreja nunca abandona vocês. O Papa não diz, mas nós compreendemos assim: se os outros abandonaram vocês, a Igreja não abandonará. O fundamento disso, ele encontra no próprio Jesus, e naquela imagem de Jesus desterrado com Maria e José indo para o Egito. Jesus também foi um migrante, um refugiado.
TF – O que o Papa Francisco pede ao mundo?
Monsenhor Joel Portella – Primeiro: ele tem um receio de que o mundo esqueça dos refugiados. Nós temos um hábito de nos acostumarmos com as coisas. Ele usa três expressões que são muito fortes: a indiferença que humilha, o hábito que anestesia e o cinismo que destrói. São palavras muito duras, mas que precisam ser compreendidas como um apelo de socorro. Segunda: uma coisa que está nas propostas do Papa e que foi clara durante a visita dele ao México, é a rejeição aos muros. Ele tem deixado claro que os muros nunca são a solução, sejam os muros físicos, sejam os jurídicos ou os do coração. O Papa chama atenção da comunidade internacional para a responsabilidade do que acontece. Se hoje há a questão da Síria, nós que vivemos em uma casa comum, todos somos responsáveis uns pelos os outros. E a comunidade internacional deve se voltar para essa situação, na qual tantos irmãos chegam à morte. O Papa pede que se atue nas causas, que não se atue apenas nos efeitos. Ele fez um discurso duro no parlamento europeu, em 25 de novembro de 2014, quando o fenômeno não tinha o grau que tem hoje. Ele dizia para o parlamento não apenas resolver os efeitos: o que fazer com aqueles que chegam à Europa, mas se perguntar por que eles estão fazendo isso, fugindo. Por isso, ele atenta para reativar as negociações para o término de uma guerra que começou em 2011. Enquanto não se chega à solução da causa, o Papa propõe o acolhimento dos refugiados por todos os países, em um processo que ele chama de "distribuição equitativa", no qual cada país, dentro de suas condições, acolha proporcionalmente os refugiados, já que é uma questão humanitária. Pede, também, que se reveja as leis de migração, para que cada país, a respeito dos muros jurídicos, reveja suas leis para poder acolher os refugiados, e eles possam viver dignamente.
Enfim, o que mais tem me chamado atenção em tudo isso é que o Papa não mede palavras: por trás de toda essa situação que existe, há um sistema socioeconômico que ele chama de malvado e injusto. Aí a voz profética é muito forte. Ele não tem no centro a pessoa, mas o lucro; o lucro estaria na terra, nos produtos que a terra cede, na situação geopolítica, mas e as pessoas que estão morrendo? Essa é a pergunta que o Papa faz. O Ano da Misericórdia: o que é ter misericórdia? É olhar a pessoa antes do lucro, antes de qualquer coisa. Assim se entende porque o refugiado é hoje uma figura que interpela a nossa atitude de misericórdia; não só porque o fenômeno está crescendo, mas também porque está no Evangelho: Jesus foi um refugiado, e quem acolhe um desses pequeninos, é a mim que acolhe.
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TF – Muitos não entendem ainda este problema, e até se colocam à margem por achar que os refugiados tomam seus espaços. Como resolver essa questão?
Monsenhor Joel Portella – O medo de tomar o lugar acontece nos elevadores, no estacionamento, quando o filho primogênito vê o segundo chegando; o ser humano tem essa insegurança. Aí está a grande novidade do Evangelho: eu estou inseguro porque vou perder os objetos materiais que me dão segurança. Se o mundo aprender a olhar que o outro é um ser humano, e não uma ameaça, aí tem uma novidade; e poder dizer: você é meu irmão mesmo que me tentem dizer o contrário, mesmo que uma lógica de lucro que só vê números, diga que ele vai tirar meu emprego. Então, vamos organizar o mundo de uma maneira diferente. Isso não é ser idílico, mas olhar o mundo onde realmente vale a pena. Porque um mundo que olha a outra pessoa como inimiga tem problema. O que o Papa diz é para vermos o outro como um irmão independentemente da situação. Por isso, uma das atitudes que ele propõe é a de que cada paróquia, convento e instituição católica acolha uma família de refugiados. É uma ação concreta e com uma capacidade de interpelação grande, porque se há uma coisa que fala com as pessoas é o testemunho. Imagina você acolher uma família de refugiados e provar que dá certo. Por isso o convite que ele fez: abram as portas para acolherem pelo menos uma família.
Monsenhor Joel Portella – O medo de tomar o lugar acontece nos elevadores, no estacionamento, quando o filho primogênito vê o segundo chegando; o ser humano tem essa insegurança. Aí está a grande novidade do Evangelho: eu estou inseguro porque vou perder os objetos materiais que me dão segurança. Se o mundo aprender a olhar que o outro é um ser humano, e não uma ameaça, aí tem uma novidade; e poder dizer: você é meu irmão mesmo que me tentem dizer o contrário, mesmo que uma lógica de lucro que só vê números, diga que ele vai tirar meu emprego. Então, vamos organizar o mundo de uma maneira diferente. Isso não é ser idílico, mas olhar o mundo onde realmente vale a pena. Porque um mundo que olha a outra pessoa como inimiga tem problema. O que o Papa diz é para vermos o outro como um irmão independentemente da situação. Por isso, uma das atitudes que ele propõe é a de que cada paróquia, convento e instituição católica acolha uma família de refugiados. É uma ação concreta e com uma capacidade de interpelação grande, porque se há uma coisa que fala com as pessoas é o testemunho. Imagina você acolher uma família de refugiados e provar que dá certo. Por isso o convite que ele fez: abram as portas para acolherem pelo menos uma família.
“Queridos irmãos e irmãs emigrantes e refugiados! Na raiz do Evangelho da misericórdia, o encontro e a recepção do outro entrelaçam-se com o encontro e a recepção de Deus: acolher o outro é acolher a Deus em pessoa! Não deixeis que vos roubem a esperança e a alegria de viver que brotam da experiência da misericórdia de Deus, que se manifesta nas pessoas que encontrais ao longo dos vossos caminhos! Confio-vos a Virgem Maria, Mãe dos emigrantes e dos refugiados, e a São José, que viveram a amargura da emigração no Egito. À intercessão deles, confio também aqueles que dedicam energias, tempo e recursos ao cuidado, tanto pastoral como social, das migrações. De coração a todos concedo a bênção apostólica.” (Trecho da mensagem do Papa Francisco por ocasião do Dia do Emigrante e Refugiados de 2016)
“Todos os sofredores, de algum modo, encontram em Cristo o significado de sua existência e a luz para superarem o sofrimento.”
“Jesus também foi um migrante, um refugiado.”
“...Ele tem um receio de que o mundo esqueça dos refugiados. Nós temos um hábito de nos acostumarmos com as coisas. Ele usa três expressões que são muito fortes: a indiferença que humilha, o hábito que anestesia e o cinismo que destrói. São palavras muito duras, mas que precisam ser compreendidas como um apelo de socorro.”
“Enquanto não se chega à solução da causa, o Papa propõe o acolhimento dos refugiados por todos os países, em um processo que ele chama de "distribuição equitativa", no qual cada país, dentro de suas condições, acolha proporcionalmente os refugiados, já que é uma questão humanitária.”
Foto: Rádio Vaticano
Foto: Rádio Vaticano
18/04/2016 - Atualizado em 18/04/2016 17:15